Rodovias duplicam só 22% do prometido
Em cinco anos recém-completados de contrato, as rodovias federais transferidas à iniciativa privada pela ex-presidente Dilma Rousseff entre 2013 e 2014 duplicaram menos de um quarto dos trechos prometidos na época das licitações. Pior ainda: os cinco grupos que administram essas estradas fizeram as obras necessárias para iniciar a cobrança de pedágio, mas nem sequer começaram os trabalhos nas áreas com fluxo mais pesado das concessões. Contornos rodoviários em grandes cidades e duplicações em travessias urbanas ou em trechos com alto movimento de caminhões ficaram só na promessa.
Apesar do descumprimento, as tarifas de pedágio cobradas dos usuários em todos esses contratos subiram muito acima da inflação acumulada no período, segundo o Tribunal de Contas da União (TCU). Um relatório ainda inédito do órgão de controle, ao qual o Valor teve acesso, aponta que as tarifas aumentaram entre 51,3% e 93,5% durante a vigência das concessões. Enquanto isso, o IPCA (índice oficial de inflação) variou menos de 40% desde 2013.
Naquele ano, foram leiloados cinco trechos de rodovias federais nas regiões Sudeste e Centro-Oeste. Com foco em reduzir custos logísticos do agronegócio, o governo privilegiou corredores com forte movimentação de cargas. Na chamada terceira etapa de concessões, a grande inovação foi exigir que as pistas fossem duplicadas por inteiro em um prazo máximo de 60 meses a partir da data de assinatura dos contratos, independentemente do tráfego.
Houve críticas do mercado, mas Dilma via a obrigatoriedade de duplicação como uma “cláusula pétrea” dos novos contratos. Diante do sucesso dos leilões, que tiveram disputa e deságio nas tarifas-teto, ela aproveitou cerimônia com concessionárias para fazer uma reflexão: “Houve desconfiança, gente pessimista em relação [ao programa]. Aproveito e uso uma imagem feita pelo grande Nelson Rodrigues, que dizia que os pessimistas fazem parte da paisagem, assim como os morros e as praças. É da vida, da condição humana, agora todos nós que temos de fazer somos aqueles que têm de acreditar que é possível mudar a paisagem”.
Passados os 60 meses, a paisagem mudou pouco. Foram efetivamente duplicados apenas 597 dos 2.683 quilômetros exigidos (cerca de 22% do total), conforme informações enviadas ao Valor por cada uma das concessionárias. Outros trechos das rodovias já estavam com pista dupla quando elas assumiram as operações.
Os pedágios começaram a ser cobrados com 10% da duplicação executada, como determinado nos editais. As obras, contudo, ignoraram partes mais críticas das rodovias. Ou seja: não houve aumento de capacidade onde o movimento é mais pesado, perde-se mais tempo com congestionamentos e existem mais chances de acidentes.
Uma série de complicações explica isso. A CCR, responsável pela BR-163 em Mato Grosso do Sul, alega que o atraso e o fracionamento de licenças ambientais prejudicaram intervenções previstas no anel rodoviário de Campo Grande.
No caso da BR-040, da Invepar, até hoje faltam autorizações de órgãos envolvidos no licenciamento para obras no trecho de maior demanda da concessão: entre Nova Lima e Congonhas (MG).
A MGO, que administra a BR-050 e única concessionária ainda em dia com as suas obrigações, afirma ter recebido projetos de engenharia defasados para ampliar a travessia urbana dos municípios goianos de Cristalina e Catalão. Há conversas com as prefeituras e com a Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT) para atualização desses projetos antes das obras.
De forma geral, a combinação de problemas é explosiva. Com a eclosão da Lava-Jato, o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) – que financiaria até 70% dos investimentos com taxas subsidiadas – apertou o crédito às construtoras e não liberou os recursos nas condições prometidas inicialmente.
A demanda projetada nos estudos do governo e nos planos de negócio das empresas vencedoras jamais se concretizou. O tombo na economia, a partir de 2015, frustrou todas as estimativas da época. No caso da BR-163 (MS), a CCR informou que o volume de tráfego se encontra 33% abaixo do previsto. A Odebrecht, operadora da BR-163 (MT), diz ter observado no ano passado uma “frustração” de 17% do fluxo de veículos sobre o calculado na época dos leilões.
Em setembro de 2017, o ex-presidente Michel Temer assinou uma medida provisória repactuando as obrigações contratuais. A MP 800 esticava de cinco para 14 anos o prazo para duplicação total das rodovias. Houve resistência dos parlamentares, o governo estava desarticulado politicamente e o texto acabou perdendo vigência sem ter sido votado.
O atual ministro da Infraestrutura, Tarcísio Gomes de Freitas, reconhece que a situação é delicada e precisa ser enfrentada. Ele descarta, no entanto, a edição de uma nova MP ou de um projeto de lei para tratar do assunto.
Para o ministro, um desfecho deve ser objeto de convergência entre os principais atores envolvidos: governadores dos Estados por onde passam as rodovias, TCU e Ministério Público, além de comissões setoriais da Câmara dos Deputados e do Senado.
“Temos um cardápio de opções sobre a mesa”, disse Freitas ao Valor. Uma delas é aguardar os processos administrativos da ANTT, que podem resultar em caducidade das concessões. Outra seria viabilizar a devolução amigável dos ativos pelas concessionárias inadimplentes. Em ambos os casos, caberia ao governo organizar uma nova licitação das estradas.
“Vejo como uma excelente solução regulatória, mas pode gerar contestações judiciais e discussões sobre investimentos não amortizados”, afirma. O ministro pondera, em seguida, potenciais desvantagens. Leva-se de um ano e meio a dois anos para estruturar uma nova concessão e relicitá-la. As duplicações demorariam mais tempo para serem feitas. Devido às condições macroeconômicas piores do que em 2013, seria difícil conseguir tarifas de pedágio tão baixas.
A terceira possibilidade é reprogramar o cronograma de investimentos das atuais concessionárias, por meio das revisões tarifárias quinquenais da ANTT, dando mais tempo para a execução das obras. Para não comprometer o fluxo de caixa das empresas, o desconto nos pedágios ficaria para a reta final dos contratos. Essa alternativa tem a simpatia do ministro.
“É ruim como mensagem aos investidores. Pode passar um recado de que as empresas foram irresponsáveis e estão recebendo uma indulgência do governo. Mas tende a preservar melhor o interesse dos usuários”, acredita o ministro.
“Hoje estamos inclinados por isso, mas reconhecendo a fragilidade. Não temos como tomar uma decisão sozinhos. Todo mundo tem que estar de acordo com o caminho a ser escolhido.”
Fonte: Valor